24 January 2024 8 MIN reading

A regulamentação do lobbying em portugal: uma tarefa pendente

A convocação antecipada de eleições legislativas em Portugal, marcadas para o próximo dia 10 de março de 2024, e a dissolução da Assembleia da República a 15 de janeiro fazem com que a regulamentação dos assuntos públicos (lobbying) em Portugal esteja de novo suspensa.


 Andrés Gumiel Fernández | Consultant

 

«A regulação da relação entre o público e o privado assume uma importância especial num contexto político como o atual, no qual a transparência e a profissionalização do setor se tornaram uma necessidade para a sobrevivência do Estado de Direito e das democracias liberais»

 

Cabe recordar que a Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 48.º, o direito de participação dos cidadãos na vida pública, estabelecendo que ”todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na gestão dos negócios públicos do País, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos”.

 

Dito isto, e por força do mandato constitucional, a regulação da relação entre o setor público e o setor privado assume especial relevância num contexto político como o atual, em que a transparência e a profissionalização do setor se tornaram numa necessidade para a sobrevivência do Estado de Direito e das democracias liberais. Com efeito, no momento presente, os cidadãos exigem uma maior participação dos seus representantes e das empresas na resolução dos desafios que afetam a sociedade no seu conjunto, bem como uma maior transparência nessa participação. O que está em causa é conquistar uma maior legitimidade social para influenciar os processos de decisão que afetam os cidadãos e as empresas que representam interesses legítimos.

 

Uma legislação chave que abrange várias legislaturas

 

Em Portugal, as tentativas de legislar esta matéria não são novas. Temos de recuar até 2018 para encontrar os primeiros textos apresentados pelo PS e pelo PSD para regulamentar esta atividade. Em 2019, o texto aprovado pelo Parlamento português foi vetado pelo Presidente da República e devolvido à Assembleia da República.   

 

Em 2021, três partidos – PS, CDS e PAN – elaboraram um texto conjunto para regulamentar o lobbying, tentando responder às questões levantadas após o veto do Presidente da República. No entanto, o referido texto não pôde ser aprovado antes da dissolução da Assembleia da República após o chumbo do primeiro Orçamento do Estado para 2022 (Legislatura XIV). De resto, ainda em 2022, também o Chega e o PAN apresentaram projetos na Assembleia da República sobre a matéria que também não chegaram a ser aprovados antes da respetiva dissolução (Legislatura XV).

 

«Entre outras questões, pretende-se regulamentar o regime de incompatibilidades dos ex-cargos públicos, a obrigação das empresas de lobby de relatar quem são os seus clientes, […] e establece uma limitação para os escritórios de advocacia exercerem atividades de lobby»

 

Só agora, e num contexto político marcado pelo debate sobre a legitimidade e a transparência de certos processos de influência regulatória, é que, no final de 2023, o consenso parece ter sido alcançado e os partidos voltaram a apresentar novos textos para regular, entre outras matérias, o regime de incompatibilidades de antigos funcionários públicos, a obrigação das entidades públicas publicarem um relatório trimestral e um relatório anual sobre as suas atividades neste âmbito, a obrigação de as empresas que exercem atividades de lobby comunicarem quem são os seus clientes, para que setores trabalham e as receitas obtidas nessas atividades de representação, e ainda uma limitação às sociedades de advogados de exercer atividades de lobby com os clientes que aconselham em questões jurídicas.

 

Os textos apresentados pelos partidos, que representavam a quase totalidade da Câmara, eram textos de compromisso, que abordavam a matéria a partir do reconhecimento da legitimidade dos atores privados para influenciar os processos públicos de tomada de decisão, abordando assim a questão de uma forma lógica e realista e não, como noutros países, a partir da desconfiança. Neste contexto, talvez o único elemento que poderia estar em falta, para iniciar, de forma consolidada e concertada, esta necessária mudança na relação entre o público e o privado, seria a disponibilização de um período de consulta e participação das partes interessadas.

 

No entanto, e na sequência da falta de quórum na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, na terça-feira, 9 de janeiro, e constituindo a sessão plenária de quinta-feira, 11 de janeiro, a última oportunidade para aprovar o texto antes da dissolução do Parlamento, a 15 de janeiro, foi decidido adiar o processo, presumivelmente para a próxima legislatura, dada a falta de tempo para o concluir na presente.

 

Assim sendo, e tal como diz o provérbio português ”depressa e bem há pouco quem”, a regulamentação do lobbying) não se produzirá na atual legislatura, pelo que, após o novo ciclo político que se abrirá a 10 de março, surge uma nova oportunidade para que tanto as empresas como os cidadãos exijam dos seus representantes um compromisso com a transparência e a rastreabilidade das suas decisões, pois apenas através da regulação e profissionalização do nosso setor, poderemos garantir o empenho de todos no progresso económico e no reforço da democracia e do Estado de Direito.

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